Monumento do Sr. do Padrão
Nos Arquivos da Santa Casa da Misericórdia do Bom Jesus de Matosinhos, consta logo em primeiro lugar a ermida do Senhor do Padrão assim descrita: “É um monumento erecto na praia de Mattosinhos, chamado Senhor do Padrão, logar aonde, segundo a tradição appareceu a milagrosa imagem do Nosso Bom Jesus de Bouças; - é construído de pedra com abboboda de tijolo, tem ao centro uma cruz guarnecida de azulejos na qual se vê feita dos mesmos a imagem de Christo pregado na cruz e em cada um dos seus cantos uma figura representando os apóstolos de Jesus. Junto da ermida encontra-se uma gruta, pelo lado do poente e a ella ligada por uma grade de ferro, com uma cisterna de excellente agua potável”, e pelo lado do nascente, mas separado da ermida, há um casebre pequeno, e velho, que em tempos remotos serviu de arrecadação de alfaias e, mais tarde, foi residência do guarda da Ermida. Já não existe, actualmente, por ter sido demolido.
Efectivamente, o Senhor do Padrão, Senhor da Areia ou do Espinheiro assinala o local onde o mar arrojou, conforme a lenda, a Imagem do Bom Jesus, na praia, a poucos metros do molhe sul de Leixões.
O Monumento, todo de pedra lavrada, é de concepção relativamente simples. É constituído por quatro pilares onde confluem outras tantas paredes, rectangulares, cada qual com uma grande abertura, rasgada até baixo, encimada pelo escudo dos primeiros reis de Portugal.
Essa abertura é limitada, na sua parte superior, por uma arco de volta completa e, lateralmente, por duas pilastras onde, nos seus capiteis, se vão apoiar as extremidades desse arco.
Sobre o corpo assim construído assenta um zimbório revestido de azulejos policromados, com desenhos geométricos, encimado por uma coluna cilíndrica rematada com uma cruz latina.
Sobre cada pilar encontra-se também uma pequena coluna em forma de um paralelogramo rectangular, com um ornato em forma de bola, a ela ligado por um pequeno pé.
Sensivelmente no mesmo plano, no meio de um frontão quebrado, logo por cima do escudo real, com uma voluta de cada lado, situa-se em cada parede uma outra coluna, de forma idêntica às descritas, com um pináculo constituído por duas bolas, de diferentes tamanhos, ligadas entre si por um tronco de pirâmide cilíndrica, e com um pequeno pé que termina por uma base redonda.
Dentro encontram-se, na parte central, a Sagrada Cruz, cravada numa larga base de granito, tendo a face virada para o sul revestida de azulejos pintados à mão com a efígie de Jesus Cristo e, nos espaços angulares que forma cada uma das paredes, as esculturas dos quatro Evangelistas: S. Mateus, S. Marcos, S. Lucas e S. João.
Na base da Cruz, no lado virado para poente (mar) encontra-se o número 162 e no lado oposto o número 50, em algarismos árabes.
O primeiro refere-se à data em que se teria dado o achamento da Escultura e o segundo ao espaço de tempo que demorou a aparecer o braço esquerdo que lhe faltava.
A data em que foi construído o Senhor do Padrão não está definida, embora alguns alvitrem ter sido por volta de 1733 quando terminaram as obras de remodelação da Igreja, e atempadamente, para se inaugurar aquando dos festejos e da grande procissão ao local onde apareceu a Imagem.
A contrariar essa asserção, Cerqueira Pinto afirmou que o Padrão tinha sido reformado quando se fez essa intervenção na Igreja, “(…) fendo desfta reformação final evidente o acharfe nelle a mefma Imagem delineada em azulejo, que moftra fer da propria mão, e artificio do do templo, por em tudo semelhante (…)”.
Junto do Monumento, encontra-se outra construção de pedra de pequenas dimensões, ricamente lavrada, que encerra uma fonte que terá surgido por volta de 1726, como resposta divina à súplica de uma crente, que rezava ao Senhor do Padrão e que pretendia cura para a sua doença de pele, refractária a todos os tratamentos já efectuados. Banhando-se nessa água obteve a cura.
O Monumento será, então, mais antigo que a construção que resguarda a fonte, embora o pequeno zimbório que a cobre seja revestido de azulejos do século XVII (de 14 cms x 14 cms, de textura e cores próprias dessa época) muito provavelmente vindos da obra da Igreja…
Esta pequena construção apresenta nas suas quatro faces textos gravados no granito.
A salinidade do mar, que lhe está próximo, assim como as areias da praia movimentadas pelo vento, e outros factores de erosão danificaram grandemente as palavras aí existentes e tornou a leitura muito difícil, sobretudo em duas dessas faces.
Com a intervenção do técnico Luís Pinto da Silva (Consertarte – Assistência em Conservação e Restauro), que se valeu de um processo actualmente utilizado em Arqueologia, aplicando silicone nessas gravações para obter com esse produto o negativo e depois a sua conversão em positivo, em placas de gesso, e com a competente colaboração do Dr. António Martins Vieira, professor historiador, que fez a leitura desses textos escritos em latim, mercê de um aturado e notável estudo, e a sua tradução, é que se tornou possível saber o que aí consta.
Mais uns tempos decorridos e nada dessa memória restaria.
Vejamos o que dizem essas leituras:
- – No lado Norte
“HEC (haec) VERA / PISCINA EST / LAVAMIMI”
(Esta piscina é verdadeira. Lavai-vos.)
- – No lado Oeste
“HABETO (habete) FIDEM / MAIORA HIS / VIDEBITIS”.
(Tende fé. Vereis coisas importantes)
- – No lado Sul
“HAVEAS /AQVAS / DE FONTIBVS / SALVATORIS”
(Que tenhas águas de fontes do Salvador.)
- - No lado Leste
“OMNES / SITIENTES / VINITE (Venite) ADA (O) VAS 1726”
(Todos Vós que tendes sede, vinde) Adão (?) Vas 1726
Na acta da reunião da Mesa Administrativa de 10 de Agosto de 1884 encontra-se mencionada a quantia de cento e cinco mil cento e três reis para a vedação da Memória (Senhor do Padrão).
Na acta de 10 de Março de 1907, lê-se que, na respectiva reunião da Mesa, o Juiz propôs um certo número de medidas, que foram aprovadas por unanimidade, a impor ao encarregado de zelar pela conservação do Senhor do Padrão, alojado na casa contígua, gratuitamente, em troca dessa obrigação. Uma delas dizia respeito à água da fonte do Monumento, que só podia ser fornecida mediante uma esmola, fosse qual fosse a sua importância, e que tinha de ser introduzida, obrigatoriamente, na respectiva caixa ali existente.
O incumprimento de qualquer uma dessas medidas seria igual a despedimento.
No Livro de Contas da Confraria do Bom Jesus, na altura, de Bouças há muitas referências ao Monumento do Senhor do Padrão, de que destacam algumas.
Assim: no ano de 1755 para 1756, pagou-se 11$785 rs ao mestre ferreiro João Baptista da obra da porta da fonte do Senhor do Padrão; em 1790, pagou-se 1$100 rs por uma fechadura e chapa para a fonte do Senhor do Padrão e 12$800 rs ao pintor de retocar os Evangelistas no Padrão; em 1794, pagou-se 33$853 rs por uma Imagem de Azulejo para o Padrão e de frete de Lisboa para o Porto; em 1797, pagou-se 12$605 rs pelo azulejo da Imagem do Senhor do Padrão; em 1798, pagou-se 2$605 rs de assentar azulejo da Cruz do Senhor do Padrão e 108$290 rs por fitas para medidas da Igreja e do Padrão; em 1800, pagou-se 15$405 rs de pintar os Evangelistas no Padrão; em 1812, pagou-se 12$575 rs a António José Vieira (…).
Duas conclusões relativas a essas referências:
As Imagens dos Quatro Evangelistas eram pintadas. Hoje, no estado de degradação em que se encontram, pouco ou nada resta das últimas pinturas que foram feitas.
Os azulejos pintados com a efígie do Bom Jesus, aplicados na Cruz, tiveram, por qualquer motivo de ser substituídos, total e, por ventura, também parcialmente, atendendo a que foram feitas duas encomendas de azulejos separadas por três anos, sendo a segunda encomenda de valor muito inferior ao da primeira, e não são, actualmente, os mesmos que cita António Cerqueira Pinto.